Amamentar é um ato de resistência
Amamentei Gael durante 3 anos, um mês e um dia. Posso dizer que nossa história de amamentação teve um final feliz, um meio pleno de sentimentos contraditórios e um início… bem, o início foi traumático. Só persisti porque tinha a mais íntima e íntegra convicção de que meu leite era o melhor alimento para meu bêbe e porque tive uma rede de apoio maravilhosa que esteve presente nos momentos mais cruciais. Os desafios do aleitamento materno vão muito além da descida do leite.
Por isso, antes de tudo, quero expressar minha imensa gratidão à todas as mães que persistiram e conseguiram amamentar seus filhos, apesar de tudo. Honro e agradeço todas as mães que tentaram e não conseguiram amamentar. Honro igualmente todas as mães que não amamentaram, pelo motivo que seja. As mulheres mães precisam de condições dignas para que o processo de amamentação flua – e falar em dignidade, sobretudo para mulheres, sobretudo para mães, no Brasil, é quase um crime.
No princípio, eu achei até que estava indo bem, embora sentisse um certo desconforto. Gael mamava, engordava, crescia. Estavámos indo muito bem. Até que, no 9o dia, eu, em plena turbulência do puerpério, com todas as flutuações de humor possíveis e imagináveis, amanheci com o peito empedrado, febre, bico rachado e todos os tipos de dores no corpo e na alma: a mastite vinha devastando meu seio.
O horror durou uma eternidade e vinte dias. Quantas tardes contive o grito de dor. Quantas vezes o olhar de meu filho me sustentou para eu sustentá-lo. Quantas vezes, a mão do meu companheiro na minha me deu a força que eu precisava para persistir. Quanto abraço, carinho, bolo, conversas e chão as amigas trouxeram para me nutrir. Sou infinitamente grata a cada pessoa que contribuiu para que eu persistisse e seguisse amamentando por mais de três anos.
E assim foi o início de nossa história de amamentação.
Minha escolha foi desde sempre pela livre demanda: Gael mamava onde quisesse, quanto quisesse e como quisesse. Nunca chupou chupeta. Nunca teve mamadeira. Durante os primeiros anos de vida, meu corpo, meu leite, minhas noites, meus dias foram consagrados ao meu filho. Fiz o melhor que pude com a sabedoria e conhecimento que tinha no momento – como cada mãe faz, acredito.
Isso teve seu preço, sim. Toda escolha tem consequências. Quantas madrugadas dormi sentada com ele pendurado no peito e acordei toda torta. Quantas vezes me senti esgotada fisicamente mesmo, até descobrir que precisava redobrar os cuidados (e a quantidade, num certo momento) da alimentação. Quantos olhares tortos percebi. Quantas vezes senti minha liberdade cerceada. Por outro lado, também quantas vezes me orgulhei de ter vencido a mastite e me emocionei ao vê-lo mamando, se nutrindo, se desenvolvendo. Gael raramente ficou doente no período em que foi amamentado. Apenas as febres normais dos saltos de desenvolvimento e nascimento dos dentinhos. Um ou outro resfriado. Nunca nada sério. Sempre uma saúde linda. E quanto força e amor brotou em mim no fortalecimento do nosso vínculo desta forma!
Talvez, se eu tivesse que recomeçar, eu fizesse algumas coisas diferentes na minha relação com Gael ao longo destes três anos. Mas de amamentar eu não abriria mão.
Sei que conto estas coisas de um lugar privilegiado. Tive informação, tive apoio, tive tempo livre, tive as condições para persistir e amamentar meu filho até quando eu e ele quiséssemos. Sei que a imensa maioria das mulheres brasileiras não tem estas condições. A média de amamentação nacional é de menos de 50 dias. Conversei com várias mulheres sobre como foi a amamentação para elas. Algumas ainda estão amamentando a cria aos 2, 3, 4 anos. Mas a imensa maioria disse que teve “problemas”: dificuldades na pega, mastite, bico rachado, “pouco leite”, “leite fraco”, ansiedade, “não conseguia produzir”, “o filho não engordava”, o pediatra recomendou fórmula… Sabem, coisas que poderiam ser contornadas com mais apoio – da família, de amigos, de profissionais de saúde com boa vontade e atualizados. Se a mulher escolheu não amamentar, é outra história, e tem todo meu apoio, pois cada uma tem o direito inalienável de decidir sobre seu próprio corpo. Mas fazer escolhas conscientes implica em saber que se tem escolha, em primeiro lugar.
Amamentar é um ato de resistência. Para amamentar, você precisa não apenas querer muito, embora isso seja fundamental. Você precisa de muita informação prévia para não cair nas armadilhas da indústria farmacêutica, das fórmulas, dos pediatras desatualizados, das críticas de familiares e estranhos. Você precisa de uma rede apoio que te nutra enquanto você nutre sua cria. Você precisa reaprender a confiar no seu corpo, na sua natureza perfeita, na sua capacidade de nutrir. Você precisa lembrar que a sua relação com seu filho é isso: sua e dele. E para isso, repito, você precisa de informação, apoio e persistência.
O empoderamento materno é crucial para que as escolhas de cada mãe sejam feitas de forma consciente e respeitosa de seu processo individual. Para que na hora que alguém queira que você dê formula, ou que comece a introdução alimentar mais cedo, ou que faça logo o desmame, (ou qualquer coisa deste nível que pessoas se sentem no direito de dizer seja ela pediatra, mãe, sogra, marido, amiga ou estranho) – qualquer coisa que interfira na sua relação com seu corpo, na sua relação com seu filho e na sua autonomia – você consiga manter-se firme em seu propósito e em suas escolhas.
Cada mãe sabe onde dói a pega. Cada mãe sabe onde as fissuras ardem. Cada mãe sabe onde explode o peito. Cada mãe sabe onde seca o leite. Cada mãe sabe tudo o que passou e passa por amamentar ou por não amamentar seus filhos. Cada mãe tem o direito de escolher o que for melhor para si e para sua cria.
Comparar-se a outras mães não ajuda. Julgar outras mães não ajuda. Negar sua responsabilidade no processo também não.
O que ajuda neste processo mais amplo de conscientização da importância do aleitamento materno, é a união. União não apenas das mulheres mães. União de todas as pessoas que desejam apoiar o início da vida. Porque é este início que é crucial para o desenvolvimento saudável da criança e a convivência sustentável neste planeta.
A amamentação é a primeira forma de vínculo humano extra-uterino. O vínculo com a mãe (e o pai) é a base de como estabeleceremos outras relações ao longo da vida. Cuidar, apoiar e nutrir este primeiro vínculo é cuidar da vida em si, é exercer a responsabilidade que todos temos pelo futuro da humanidade, pela co-construção de uma sociedade mais empática, cooperativa e alinhada com princípios que servem à vida.
E para você, como foi sua experiência com a amamentação? Conta aqui nos comentários para apoiar outras mães. Vamos juntas!
Com amor e gratidão,
Maristela
Todos os textos da sessão “Escrito à Mãe” do site cultivandocuidado.com bem como os textos do perfil no Instagram @cultivandocuidado são de autoria de Maristela Lima. Se estas reflexões fazem sentido para você, talvez elas sirvam também para suas amigas mães. Compartilhe com elas o link deste artigo e sempre cite a autoria. Assim, você valoriza e apoia o trabalho de uma mãe que escreve, contribuindo para que mais mulheres se beneficiem e me motivando para que eu continue a oferecer às mães conteúdos importantes, gratuitos e de qualidade.
Entre mães, precisamos no apoiar.
Com amor e gratidão,
Maris.
Dica de Leitura:
Manual Prático do Aleitamento Materno – Carlos Gonzales