Rede de apoio – pra quem?
Antes de meu filho nascer, tentei me preparar de várias formas para o pós-parto – já que o parto, este, é imprevisível. Não que alguma de minhas amigas tenha me alertado sobre o puerpério. Não. Silêncio sepulcral. Estranho. Será que é tão traumático que preferimos não falar sobre isso? Mulheres, por isso mesmo, precisamos falar!
Quem me chamou a atenção para isso foi um homem, um pai, a pessoa com quem eu mais aprendi sobre Comunicação Não-Violenta nos últimos sete anos. Ele nos disse com todas as letras: “Ninguém avisa. Preparem-se para o pós-parto.” E em seguida ofereceu apoio para meu companheiro, caso ele precisasse. Precisamos. E muito. Mesmo eu tendo “programado” uma rede de apoio para os primeiros 45 dias – o que, durante a gravidez, havia me parecido coerente e suficiente. Não foi. Não é. Precisamos de muito mais apoio do que imaginamos. E costumamos não pedir. Porque talvez esteja tão introjetado o pensamento de que “temos que dar conta” e o medo de “atrapalhar os outros”, que acabamos nos sobrecarregando. Sozinhas, com medos e cheias de dúvidas – esta é a realidade de muitas mães no pós-parto. Ouço muitas histórias de mulheres que sofreram no puerpério, por solidão e sobrecarga.
Aí, depois de um tempo, muitas começam a ouvir falar sobre a tal da rede de apoio – algo de que muito se fala hoje em dia, mas que parece uma ficção, visto que, na prática, na hora do vamo-vê, quem é a tal da “rede”? O pai da criança, geralmente. Ou a vó. Gente! O pai é um dos responsáveis por cuidar da criança, naturalmente. Ele também deveria ser um dos responsáveis por construir a rede de apoio. Não se constrói uma rede só com dois nós! Se um arrebenta, o outro se sobrecarrega. Uma rede é feita de muitos elementos. Ativar as amigas e os amigos é fundamental para uma puérpera. E não só para ela: para toda a nova família que está nascendo. Então, a função de “procurar apoio” não pode ser relegada à ela, como se fosse “coisa de mãe”, ou seu dever natural. O companheiro/a que apoia verdadeiramente vai buscar expandir esta rede pelo seu próprio bem, pois toda a tensão e o estresse da mulher puérpera se reflete na relação – e o companheiro/a que é realmente participativo/a também fica esgotado/a, também se cansa, também precisa de repouso. E quem é que acaba pagando quando pai e mãe estão exaustos? A criança. Com impaciência, com menos atenção do que precisa, com irritabilidade… E aí a criança chora mais, dorme mal, o leite diminui e por aí vai. Apoio é vital para a vida do casal, da criança, de toda a família. Uma criança precisa mais do que pai e mãe para ter qualidade de vida, saúde e segurança emocional , simplesmente porque pai e mãe, se são os únicos a se ocuparem dela, num momento ou outro vão ficar exaustos.
Como eu dizia, eu me preparei para o pós-parto, ativei as amigas, conversei, pedi e tive apoio durante todo o primeiro mês: uma amiga que vinha fazer almoço uma vez por semana, outra que fazia feira e outras comprinhas necessárias, outra que vinha me visitar só para me ouvir, outras para quem eu ligava para tirar dúvidas. E teve a semana assombrosa da pior das mastites, em que toda tarde vinha uma delas me fazer companhia, me ouvir, trazer um bolo, olhar o bebê pra eu tomar banho… Jamais esquecerei. Sou muito grata por isso. E sou grata a meu companheiro que contou a elas sobre a mastite e ativou a rede diária.
Mas esta pequena rede que eu “programei” funcionou bem durante as primeiras semanas. Depois foi ficando mais escassa até definhar. E eu cada vez mais cansada, bebê acordando no mínimo oito vezes por noite, marido trabalhando o dia todo, às vezes até fim-de-semana. Quanto mais precisava, mais sem forças me sentia para pedir. Até não aguentar mais e ligar chorando em desespero, de madrugada, para outra amiga, com quem tinha acordos de escuta emergencial. Aí lembrei da importância de pedir. Muitas vezes, precisamos ser lembradas que podemos pedir apoio. Porque, na maioria das vezes, quanto mais precisamos, mais desempoderadas nos sentimos para sequer buscar.
É neste ponto que me parece fundamental o papel de uma rede forte e pró-ativa. Alguém que pergunte para a mulher (e ouça a resposta): “como você está? está precisando de algo? já saiu de casa hoje? quer sair comigo? quer uma visita? quer que traga algo da feira/ do mercado?” Este alguém pode, sim, ser o marido. Ok, mas não só. Muitas vezes talvez ele também esteja tão envolvido na loucura pós-parto que não tenha esta presença pró-ativa. Homem também precisa de apoio, ainda que de formas diferentes da puérpera. Um casal é uma parceria. Tudo que apoia um, apoia direta ou indiretamente o outro.
Percebe? Rede de apoio é para a família, não é para a mulher. É preciso uma comunidade para criar uma criança, como já foi dito tantas vezes por aí. Comunidade de pais, mães, avós, avôs, amigos solteiros, amigas sem filhos, amigas com filhos, etc.
Comunidade. Porque isso, gente – criar crianças – precisaria ser da responsabilidade de toda sociedade, se queremos que cresçam saudavelmente, num ambiente amoroso, e aptas para criar um mundo melhor, mais empático, mais cooperativo, mais sustentável. Se as mães precisam escolher entre cuidar de si e cuidar das crianças, alguém fica mal cuidado e o resultado se reflete em todas as relações. E, numa perspectiva mais sistêmica, a sociedade como a conhecemos hoje é fruto da falta de cuidado com a infância de quem hoje é adulto. Porque crianças bem amadas e bem cuidadas vão se tornar adultos que prezam valores que servem à vida. Se queremos mudar algo, precisamos, sim cuidar das crianças, mas concomitantente, é preciso cuidar de quem cuida.
Crianças precisam de cuidados, claro, mas quem cuida precisa estar bem cuidada para poder cuidar. A mãe precisa estar com suas necessidades bem nutridas para suprir as necessidades das crianças. Sim, porque há necessidades que, durante um bom tempo, é só a mãe que supre. Mas há outras que podem ser atendidas por outras pessoas. E também, mesmo para aquelas que “só a mãe pode suprir”, se ela tem apoio e cuidado para com as suas próprias, terá muito mais disposição e prazer em atender as das crias.
Criar rede é prerrogativa básica de saúde mental e emocional no pós-parto. E não só: a criança cresce e as demandas também! Cada vez mais eu percebo que rede precisa existir ao longo de toda a infância dos filhos, quiçá da vida!
E rede se faz com contatos. Precisamos conversar. Precisamos nos ouvir. Precisamos nos vulnerabilizar. Precisamos coragem para pedir. Coragem é agir com o coração. Aja com seu coração. Ouça: o que ele está lhe pedindo? O que você precisa?
Talvez você ache que não sabe o que precisa. Seu coração sabe. Se houver uma pessoa que possa ouvi-lo, você vai descobrir.
Peça. Peça de novo. Peça mais uma vez. Você vai ouvir alguns nãos? Certamente. Mas não desista. O ser humano é, sim, naturalmente cooperativo e empático e dar a uma pessoa a oportunidade de contribuir à vida é um presente valioso. Alguém vai querer ganhar este presente. Vulnerabilize-se. Expresse seus sentimentos e suas necessidades. Deixe sua potencial rede saber o que você precisa. Aos poucos, ela vai sendo construída. Envolva seu companheiro nesta construção. O casal será beneficiado. A família toda será.
E para você? Como tem sido o apoio na criação dos filhos? Você tem rede de apoio? Como ela é? Se não tem, como é isso para você? E como você imagina que poderia começar a criar uma? Conta pra gente aqui nos comentários.
Abraços e até breve!
Com amor e gratidão,
Maristela
Todos os textos da sessão “Escrito à Mãe” do site cultivandocuidado.com bem como os textos do perfil no Instagram @cultivandocuidado são de autoria de Maristela Lima. Se estas reflexões fazem sentido para você, talvez elas sirvam também para suas amigas mães. Compartilhe com elas o link deste artigo e sempre cite a autoria. Assim, você valoriza o trabalho de uma mãe que escreve e apoia este trabalho, contribuindo para que mais mulheres se beneficiem e me motivando para que eu continue a oferecer às mães conteúdos importantes, gratuitos e de qualidade. Entre mães, precisamos no apoiar.
Com amor e gratidão,
Maris.
DICAS DE LEITURA (clique nos títulos para saber mais) :
A coragem de ser imperfeito, de Brené Brown
A maternidade e o encontro com a própria sombra, de Laura Gutman
Mulheres visíveis, mães invisíveis, de Laura Gutman
Comunicação Não-Violenta, de Marshall Rosenberg
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