Nutrindo a relação durante a refeição
Lembro que minha mãe me obrigava a comer feijão todo dia no almoço. E a tomar leite toda noite antes de dormir. Eu odiava, feijão e leite – pois não podia odiar minha mãe. Detestava o gosto e a textura do feijão, detestava a oleosidade do leite de vaca. Mas criança não tinha querer, quando eu era criança. Lembro também de como “mamãe vai ficar triste, se você não comer tudo” e de como ela fazia “tudo com tanto amor” que eu tinha que comer “só mais um pouquinho”. Claro, porque se eu não comesse, eu seria a ingrata responsável pela tristeza de minha mãe, ela que fazia tudo com tanto amor e que só estava “pensando no meu bem”. Certamente ela só estava pensando no meu bem e estava fazendo o melhor que podia com a sabedoria e condições que ela tinha no momento. Eu entendo e acolho. Mas não concordo. Esse ciclo de desrespeito com o corpo da criança pára aqui.
Meus filhos são magrinhos, como eu era. É nosso biotipo. Tá tudo bem com isso. Nunca vou olhar para eles e dizer como bom dia: “Nossa! Como você tá magro/a!”. Ouvi isso durante anos. E sei o quanto mexeu com minha autoestima. Palavra de mãe é decreto.
Meus filhos, os quero saudáveis, magros como eu, ou mais cheinhos, não importa. Meus filhos, quero vê-los felizes com seu corpo e com os alimentos que ingerem.
Para minha mãe, o importante era ser gordinha. Como se uma filha magra fosse um fracasso para ela, mãe. E eu, magra, era também responsável por esse fracasso.
Claro que eu lembro também que ela fazia bolinhos de chuva com mais recheio de banana para mim. Lembro das panquecas só em ocasiões mais especiais, porque ela tinha preguiça de lavar o liquidificador (preguiça é modo de dizer, né, porque com cinco filhos, é natural querer facilitar a vida). Lembro do bife à milanesa, que morri de vontade de comer na gestação do Gael, mesmo sendo vegetariana há vários anos. Lembro da macarronada à bolonhesa aos domingos, da salada de batatas com maionese feita à mão, lembro como eu adorava descascar batatas com ela – companhia e alimento, presença e nutrição. Sim, minha mãe fez o melhor que podia. Sou grata.
Eu também estou fazendo o melhor que posso com as condições que tenho no momento – condições bem melhores das que ela dispunha. Eu também só quero o melhor para meus filhos, como toda mãe. Eu também gosto quando comem bem, comem tudo e pedem mais. Mas não vou atrelar minha alegria ou tristeza a isso. E nunca, jamais vou forçá-los a comer ou beber algo que não querem ou mais do que seu corpinho pede.
Desejo que eles tenham uma relação tranquila e natural com a comida. Desejo que eles saibam percebem o que seu corpo precisa, quanto precisa e quando parar. E, sobretudo, desejo que eles tenham boas memórias afetivas das refeições em família.
Ah, o momento das refeições é tão importante para mim! Preparar um alimento é também para mim uma forma de amor – assim como sei que era pra ela (e aí nos encontramos num ponto comum).
Meu amor em forma de alimento deseja ser incondicional. Não comeu tudo? Tudo bem. Não quis nem experimentar? Experimenta da próxima vez. Fez “eca” e cara de nojo? É natural e é da criança, não é pessoal.
Ah, quanta cura está contida em cada alimento! Em cada refeição uma nova oportunidade de ressignificar minha própria relação com a comida – e com minha mãe.
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Texto: Maristela Lima. Quando compartilhar, mantenha a autoria e apoie uma mãe que escreve!